“Que o universo um dia nos conecte novamente!”

Foi assim que me despedi de uma turma de quatro rapazes hoje. A maré da praia deserta de Fortalezinha começara a baixar e depois para atravessar para onde eu deveria encontrar o moto-táxi, que combinou me pegar as 16 horas, só pela lama que viria até o joelho. Assim, peguei meu livro e decidi voltar mais cedo.

Descendo da rabeta, que pega-se quando a maré ainda está alta, fui andando à minha direita e encontrei uma casa que tocava Carimbó.

Pronto!

Já fui entrando, estava tudo aberto mesmo. Me senti em casa. (nota: quando em São Paulo eu me atreveria assim?)

Encontrei dois rapazes com um estilo meio surfista. Eles tocam Curimbó (como aprendi ser o nome original) e fortalecem esse som há mais de 15 anos, quando nem registro havia. Estão na luta, agora um pouco mais frouxos porque o ritmo tem se espalhado mais.

“Tá começando a entrar pra moda” – um deles me disse.

Logo um outro rapaz, que encontrei na praia praticando kitesurf, chegou e começou a bolar um baseado. O cheiro da planta era tão diferente, nunca senti assim. Ali naquela terra praticamente brota sozinha a erva.

Eu não fumei, embora depois batesse a curiosidade de experimentar, mas eu não tinha nada pra absorver do fumo. Acho que é algo que deve ser respeitado e utilizado para algum benefício, como um copo d’água que às vezes a gente recusa por não ter sede.

O que eu descobri no Pará

Eles comentam como a Vila de Algodoal, na qual estou hospedada, está tomada pelo dinheiro, que já não se tem uma vida barata para viver e os nativos dali precisam cobrar caro por seus serviços para conseguirem acompanhar o que a zona hoteleira (que tem se formado por pessoas de fora) traz.

Até dizem que temem pela Vila onde moram, que pode se tornar uma nova Jericoacoara e é tudo que não querem.

O tempo voou. Falamos do capitalismo, de Jericoacoara no Ceará, do Tocantins, de São Paulo, do Rio de Janeiro, do Maranhão e tanto do Pará! Me perguntaram o que eu estava enxergando nessa viagem.

Respondi: “O chão”.

Esse chão do Pará e também de todo o Brasil é tão rico! Ele provê os alimentos mais incríveis que existe, e aqui no Pará tudo que é daqui é enaltecido.

Esse chão das raízes… e o que eu menos vejo em casa (SP) são pessoas que trazem sua ancestralidade para o presente. A gente está se afastando de tudo que nossos avós ensinaram. Todas as rezas, as crenças, os preparos dos alimentos, as batidas das músicas, as lendas… não cabe na cabeça do paulistano. Não temos tempo para isso. Não temos tempo para olhar pro chão onde pisamos e ponderar e carregar tudo que ele ensinou há tantos anos pros nossos ancestrais.

Somos brasileiros, mas levamos tão pouco do nosso país com a gente. E aqui no Pará eu me sinto tão brasileira, como eu nunca me senti anteriormente.

O que fazer na Ilha do Marajó

Chegou mais um moço, esse mais calado, só observando a conversa.

Entre tantos assuntos o mais presente, claro, era o Carimbó. Me mostram os instrumentos que eles fizeram com pele de cobra, fio de pesca e mais outros materiais que já não me recordo.

Não foi fácil manter essa cultura viva, nem mesmo por aqui. Mas eles dizem “é nossa missão levar essa representatividade do Carimbó, é por amor mesmo“.

O Carimbó possui letras incríveis, até comprei o CD deles, quase poesias sobre o cotidiano, mas o que ele curtem mesmo é quando fala sobre ecologia.

Conversamos sobre o poder do tambor, como a gente (turista) fica com vergonha de dançar no começo, mas depois se solta e eu descubro que a força que sinto do Carimbó vem do meu útero. Foi uma revelação e um poder imenso nesse momento.

Aliás, quase esbarrei com eles em Belém, que tocaram num bar que eu ia, mas acabei ficando cansada e desmarquei. Que pena! (nota 2: dizer mais sim!!!)

Um dos moços, o mais velho e que mais conversa, olha pra minha única tatuagem colorida (de passarinhos) e diz que eu preciso incluir agora um vermelho, em homenagem ao Guará. O outro rapaz pega uma folha que caiu do animal há tempos atrás e está ali na mesa, e me dá para que eu não esqueça de introduzir essa tatuagem no meu ombro. Fica a promessa!

Digo que vou para Alter do Chão e me dão várias dicas, inclusive de um canto para consagrar ayahuasca, caso eu queira. Comentei que tinha essa vontade, mas em São Paulo nunca dava certo. Estou com o contato, mas não sei ainda o que será. Como disse um deles “O que vai ser, já é”.

Entre muitas risadas e trocas de cultura, decido finalmente olhar o horário. Faltavam 05 minutos para me encontrar com o motoboy que marquei de me buscar. Precisava seguir.

Me despeço e perguntam meu nome. Pergunto o deles. Conversas tão incríveis e nem sabíamos o nome um do outro. Agora sabemos. E agora parto. E que o universo nos conecte novamente. Ou não. Que assim seja! Porque o que será, já é.

Citando minha banda preferida: “Deixa a vida unir ou separar”.

Juliana Saueia

Juliana é atriz, escritora e bacharel em Direito. Vive com os pés na estrada e a cabeça em outros planetas.

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