Quando morre um irmão parece que um pedaço do nosso futuro vai embora junto com ele.
Irmão foi feito pra dividir a mesma história. Irmão é linha horizontal na árvore genealógica. Por mais que ele seja mais velho ou mais novo, ele ainda está no mesmo tempo que a gente, na mesma hierarquia. É certo ele viver o mesmo tanto que nós.
Era pra criticarmos os planos um do outro, era para chorar no casamento do maninho caçula, era pra ficar com ciúmes das namoradinhas, era pra eu abocanhar o último pedaço de bolo que ele guardou na geladeira com o intuito de comer depois.
Era pra ele caçoar do meu estilo de vestir, para eu encrencar que ele roubou minha meia do monte de roupas lavadas. Era para eu ter um colo que seria parceiro a vida inteira.
Ele iria me abraçar a cada coração partido e rir da minha cara toda vez que uma lagartixa aparecesse em casa, porque eu morro de medo.
Meu irmão iria sorrir ao me ver, anos depois de sairmos de casa. E iríamos relembrar com muita nostalgia boa, quando nos encontrássemos nos almoços de Natal, dos anos em que vivemos sobre o mesmo teto. Falaríamos das peças que pregávamos com nossa avó, das broncas que tomamos de nossos pais e das vezes em que puxamos o cabelo um do outro.
E iríamos sorrir de orelha a orelha, juntos, por toda uma vida que nos foi presenteada.
Mas quando um irmão morre, uma vida inteira é perdida. E conforme os anos vão passando, a gente vai lembrando de tudo que nunca aconteceu. E a saudade dói ainda mais. Pela pessoa que perdemos e pelas memórias projetadas num futuro que nunca teve a chance de acontecer.
Quando um irmão morre, podemos imaginar qualquer coisa. Podemos imaginar que se ele estivesse vivo, entraria numa escola de dança e seria um bailarino incrível. Que ele perderia a virgindade com 16 anos e eu seria a primeira pessoa que ele iria contar. Que ele iria viajar para a França e odiaria. Por que não?
Quando morre um irmão, podemos imaginar qualquer coisa. Mas a gente acaba não imaginando muito. Porque toda e qualquer possibilidade já está fadada ao fracasso. A gente nunca vai saber se aquele irmão teria mesmo roubado minhas meias da pilha de roupas limpas, porque não existe a mais remota possibilidade disso acontecer.
A gente só vive numa eterna dor com o excesso de um futuro que jamais existirá.
Quando morre um irmão, morrem as brigas por conta do último pedaço de bolo na geladeira, morrem as meias roubadas, morre a chantagem de contar tudo pra mãe, morrem as discussões sobre quem vai andar no banco da frente, morrem os esconderijos de doces, morrem as broncas injustas, morre um pedaço do nosso caminho.