Tudo que eu conheço é sofrimento

A Vida me moldou na dor. E isso é tudo que eu conheço: dor, perda, ressentimento, culpa, raiva, sofrimento.

Ou pelo menos é tudo que eu valorizo conhecer. Teve um tempo onde tudo que eu conhecia era alegria. Eu vivia no meio do amor, da leveza, da inocência, das danças de axé na chácara da minha avó, dos pavês de sonho de valsa na casa da outra avó, das madrugadas de Natal fingindo dormir na casa da bisavó para esperar o Papai Noel chegar…

Mas em um ano atípico para mim, no final de dezembro o que chegou foi o sofrimento.

Eu já havia sofrido antes, ou pensava que havia. Os dramas por todas as vezes que meus pais não me deixaram sair de casa, as dores profundas de todos os amores da vida não correspondidos que não duraram uma semana no coração, as maldições praguejadas quando me obrigavam a sair de casa quando ia começar a passar Chiquititas na televisão, o dia que minha mãe brigou feio comigo por uma mentira contada por uma aluna, tudo isso quando sentido, era extremamente dolorido e eu achava que não ia aguentar.

As dores eram válidas, eu as sentia. Piscianos quando sentem, sentem de verdade, um corte na pele ou um “obrigada” que alguém não me disse, feriam da mesma forma. Feriam fundo. Somos as vítimas do zodíaco, do mundo, da galáxia.

Quem dera todo o sofrimento tivesse essas lembranças. Eram dores fortes, mas não eram tudo que eu conhecia. Haviam as alegrias profundas, muitas, aliás.

Depois do acidente de carro eu passei a só enxergar a amargura. E pra não ser vítima como era de costume, fingia que não estava tão machucada assim, mascarando da forma que eu conseguia. Aqui eu até me coloquei no papel da causadora de tudo aquilo. Se eu não tivesse escolhido aquela rota, se eu não estivesse falando com a minha mãe e ela tivesse prestado atenção na curva, se eu não estivesse ali naquele carro…

Foram anos crescendo nas minhas sombras uma dor que se costurava na minha alma. E não era tão visível assim, como eu disse eu mascarava como podia.

Mas assim como o lado escuro da lua, que sabemos estar ali, mas não enxergamos e então esquecemos, esse meu lado dor ia tomando conta de tudo aqui dentro.

Até que não pôde mais se esconder. Não dava mais. Era insuportável manter fechado o portão que segurava essa parte de mim.

E foi logo após um aniversário meu, que esse portão liberou para que todos vissem a minha dor. Foi aí que eu pude vê-la também. E ela estava tão grande que me aconcheguei pequenininha em seu colo e fiz cama no sofrimento.

Não posso dizer que era confortável, que eu curtia estar ali, não. Mas eu conhecia aquele abraço repleto de espinhos. E bem ou mal, era um abraço. Mesmo que me machucasse, mesmo que me escondesse, mesmo que perfurasse meus órgãos vitais. Era um abraço. Um abraço conhecido, de uma dor tão presente que até chegava a consolar.

“Estando aqui, eu não posso me surpreender com nada.” Estando ali, eu não poderia sofrer mais. Não tinha um poço mais fundo do que aquele em que eu estava, deitada no colo da Dor. No núcleo das piores realidades emocionais. Sair dali era correr o risco de voltar pra lá. E sofrer um pouco mais.

Se eu sofro sempre, eu não sofro nunca mais. Eu não posso perder pra Dor, se jogar no mesmo time que ela.

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Juliana Saueia

Juliana é atriz, escritora e bacharel em Direito. Vive com os pés na estrada e a cabeça em outros planetas.

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