Ah, quem não sente falta de planejar uma viagem e saber que em X dias/meses estará embarcando para mais um destino dos sonhos?
O assunto principal daqui do Além da Curva são as viagens, mas e agora?
Eu, que amo conhecer lugares e culturas, ouvir histórias das bocas das pessoas mais incríveis possíveis, chegar longe e pisar em terras sagradas, visitar monumentos e edifícios históricos, me embaralhar tentando falar uma língua estrangeira, experimentar comidas diferentes, mergulhar em águas salgadas paradisíacas, tirar toda a energia ruim em cachoeiras, me assustar com o trânsito de alguma cidade, me apaixonar pela vida de uma ilha…
Agora é a hora de ficar em casa.
Falo com você, que tem essa possibilidade. Agora é a hora de ficar em casa. E viajar. Sim, viajar. Para dentro de você, para dentro das tuas histórias.
Comecei a escrever esse texto através de um insight e logo me veio as palavras de meu pai. Um pouco antes dele falecer, ele me ajudava a sonhar com um mochilão pela América do Sul. Ele queria que eu viajasse, mas queria que eu fosse sendo a pessoa que entende porque estou indo.
Os planos que não dão certo também são lutos que precisamos viver
Viajar para mim nunca foi apenas os pontos turísticos, nunca se tratou de fazer check-ins. Já deixei de computar mais um Estado e mais um país na conta, porque queria viver o que o lugar onde eu estava tinha para oferecer, antes de partir para outro.
Isso pode não significar nada para você. E tudo bem. O turismo se beneficia dos dois tipos de viajantes, o meu tipo e o seu.
Meu pai, na época me disse:
“Não adianta você viajar e querer escrever (naquela época não existia o blog, mas eu já sabia que queria criá-lo) sobre o mundo, as pessoas e as experiências transformadoras que tem, se passa todo dia por pessoas inspiradoras na sua própria cidade, e as ignora. Tudo que você busca, não precisa ser encontrado a milhas de distância.”
E cada vez que lembro dessa conversa, ela se torna mais clara e mais encaixável na minha realidade.
Viajar ajuda e nos dá recursos muito importantes, óbvio. Mas nós, viajantes, o que tanto buscamos?
Se a sua resposta para esta pergunta for um pouco parecida com a minha, chegou a hora de desapegar da viagem para fora. Entenda, desapego não significa nunca mais ter ou fazer aquilo. Eu anseio pela minha próxima viagem, aliás, já tenho até o destino que quero visitar assim que puder sair com segurança para mim e para os outros. Significa entender que nem sempre terá essa coisa, e tudo bem, porque tudo o que você precisa, você tem, dentro de ti.
Não sou a pessoa que mais viajou no mundo, inclusive, do mundo conheço pouco. Sei mais sobre o Brasil, meu país. Mas também sei que “só” isso, já é coisa demais para muita gente.
Tenho na minha bagagem muitas histórias que ouvi, que aprendi e que integrei dentro de mim. Tenho também algumas histórias que prefiro nem lembrar. Tenho memórias de comidas estranhas e outras deliciosas. Lembro de pontos turísticos que conheci sem querer e de outros que não conheci porque minha programação deu toda errada. Sorrio ao lembrar de algumas pessoas que passaram pelo meu caminho e fecho a cara quando penso em outras. Eu tenho em mim tudo isso. E tudo isso me moldou, me transformou e talvez tenha me dado autonomia para, hoje, mesmo não estando na estrada ou no portão de embarque de um aeroporto, viajar.
Eu amo ouvir as histórias das pessoas que conheço quando viajo. Mas agora, talvez, seja o momento de ouvir as histórias das pessoas que moram comigo, das pessoas que tenho contato por Whatsapp, ou, até mesmo, as minhas próprias histórias.
Quando fazemos terapia, descobrimos que muitas vezes bloqueamos muitos assuntos dentro de nós. Alguns aterrorizantes, chocantes e traumatizantes. Outros nem tanto. É uma cidade, um país, um universo onde não queremos pisar, muitas vezes.
Olhar para nós, para quem somos, para o que sentimos pode parecer, até, superficial. “Ué, eu sei o que sinto, pois estou sentindo”. Está mesmo?
Nossos sentimentos sobre um assunto, principalmente numa quarentena, em isolamento, podem aumentar. E porque você está tão eufórica ou irritada com tal assunto? Porque isso mexe tanto com você a ponto de te dar dor de barriga? De onde vem tudo isso? Será que explodindo de raiva é a única maneira de se indignar?
Já que não tem muito o que fazer, reconhecer nossa personalidade e nossos monstros, pode ser uma grande aventura.
Não falo sobre meditação, entendam. É simplesmente aproveitar esse momento horroroso que nos impede de estar próximos de quem amamos, de fazermos coisas que gostamos, para parar também de apontar as coisas externas como problemas e começarmos a enxergar que muito do que vemos lá fora, é problema daqui de dentro. Assim como tudo que amamos lá fora, vem de dentro.
Que tal passear pelo seu ego? Eu sei, ego é uma cidade feia, suja, não é bonito, sempre nos disseram isso. Mas muito do que dizem lá fora vem de um lugar onde querem que pensemos de tal forma, para assim, nos controlarem.
O ego não é o vilão. O ego não é uma parte acoplada à gente, que precisa ser extinguida. O seu ego, pasme, é você! Se ele é invejoso, é porque você é assim. Se ele é mesquinho, é porque você é assim. Se ele tem complexo de inferioridade, é porque você é assim. E tentar fingir que ele não existe, que ele não está aí, só te traz problemas sociais.
Padrões de comportamentos agressivos ou submissos, por exemplo, podem ser simplesmente seu ego ignorado por você mesmo. Quando não olhamos para nós mesmos, podemos nos irritar e explodir com certas pessoas do nada. Ou podemos ter dificuldades em dizer não para certas pessoas, mesmo não querendo fazer aquilo que nos propuseram. Só que nenhum comportamento, vem do nada.
Eu sei que não é fácil navegar pelas nossas águas, são turbulentas e muitas vezes aparece tanta neblina que fica difícil de enxergar um palmo na nossa frente. No entanto, há quem diga que as melhores viagens possuem algum perrengue.
E quantos lugares visitamos que foram destruídos e precisaram ser reerguidos?
O nosso lugar favorito do mundo, deveria ser dentro de nós mesmos. Porque é com a gente mesmo que vamos conviver pro resto da vida. Esse é o único desapego que talvez seja impossível. Não tem como desapegar de si próprio. Tem como se reinventar, mas não se ter? É impossível. Você sempre terá você.
Por isso, talvez tenha chegado a sua hora de viajar, no meio da quarentena. De ir atrás da história mais importante da sua vida. De se enxergar como o ponto turístico mais valioso dessa sua jornada. Para, quando puder sair e viajar para fora, ser ainda mais dona das histórias que viver.
Importante: tá tudo bem se você não consegue, não quer ou acha balela essa conversa. Cada um está pronto na hora que está pronto, e vive de acordo com aquilo que pode. Porém, algumas pessoas sentem nelas um desconforto de que poderiam estar acessando mais dentro de si próprias, e tem medo. Esse post é para incentivar essas pessoas. Cada um no seu tempo, de acordo com a sua realidade e largura de mundo.
Adorei suas reflexões, tenho pensado bastante esses dias sobre toda essa situação e literalmente feito uma viagem pra dentro.