Entre o desapego e o amor, a coragem de continuar

O apego é tão parte da matéria, que esqueço o quanto de mim já se foi. O quanto ao meu redor já mudou e, ainda assim, o mundo não colidiu.

Há momentos que seguro algo com tanta força em minhas mãos, com medo de que aquilo se vá, sem lembrar do tanto que já partiu.

O mundo nunca se revela da forma como eu o agarro. Ele sempre se mostra da forma como eu solto (ou até mesmo do como eu resolvo soltar).

Acho o apego extremamente necessário, ainda. Não tem uma forma de viver sem ele.

É que parece tão mais fácil caminhar até o apego, mesmo quando detestamos nos agarrar a algo ou a alguém. Mesmo quando queríamos nunca mais sentir coisa alguma.

A gente se apega, e se não for a uma pessoa ou um objeto, que seja a solidão.

O desapego é que cria barreiras. Afinal, como amar ou desejar tanto e não se importar? E não fazer tudo que está ao nosso alcance para mantê-lo por perto?

E não vejo existir mal nenhum nisso. A toxicidade se faz quando insistimos em manter algo que está em chamas, em ruínas, e fingimos não enxergar nada disso. Afinal, mais vale um pássaro engaiolado e triste do que dois voando.

Mas não quero entrar neste assunto, é muito pano pra manga.

Meu foco nessa intuição revestida de palavras se dirige ao tanto que a gente desapega e nem percebe.

A vida força o desapego. E a gente, eventualmente, acolhe. Tantos fins que não queríamos que acontecesse, mas chegaram. Natural sofrer e pesar por eles.

E, até sem perceber, em um belo dia aquilo já não machucar como antes. Aprendemos em tantas situações a deixar ir. De má vontade, com certeza.

Eu nunca quis virar adulta, falava para os meus pais que iria morar na Terra do Nunca. Não aceitava as mortes físicas que me rondaram. Quantos relacionamentos amorosos e amizades que forcei até o fim para que não se dissipassem? Ah, sei nem contar! E aquele sonho que eu planejei minuciosamente e tive que abrir mão? Como isso doeu!

E tantos outros momentos que eu vi desaparecer de dentro da minha mão fechada com força. Nunca adiantou de fato segurar firme, o que teve que ir, simplesmente se foi. Inclusive versões desatualizadas da menina-mulher-eu-mesma.

No momento que soltei cada uma dessas situações, que me doíam a alma em pensar não possuir mais, foi ali que a Vida me revelou a sua magia.

A magia de continuar viva, mesmo sem alguns pedaços que eu considerava meus.

A magia de encontrar partes melhores (ou apenas diferentes, mas que também cabiam em mim).

Partes que eu também me vi segurando com força, mas precisaram desaparecer. Partes que parecem que nunca irão embora – quem é que sabe? Partes que eu talvez ainda nem perceba que se encaixaram em mim. 

E o mais louco de tudo isso? Eu ainda tenho medo de deixar as novas partes seguirem seu rumo, ir embora daqui de perto.

Porque, não importa o quanto a gente “perca”, não há casca impenetrável que nos deixe confortável o suficiente para perder aquilo que importará no futuro.

É preciso lidar com essas inconstâncias e nem sei se em algum momento fica mais fácil. Só sei que não poderia escolher me apegar à solidão, só para nunca mais “perder” alguém que eu amo, por exemplo.

A vida flui, e parar em alguma parte desse rio, com medo da hora em que vamos desaguar no oceano e ver muito se diluir, é bobagem. 

A gente – o ser humano – veio com muita coragem para essa experiência terrena.

Coragem para se apegar e coragem para ver ir embora.

E ainda mais coragem de fazer o movimento de volta ao apego, mesmo sabendo que tudo tem seu ciclo.

Juliana Saueia

Juliana é atriz, escritora e bacharel em Direito. Vive com os pés na estrada e a cabeça em outros planetas.

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