Em um dos documentários sobre a vida de Marilyn Monroe, escutei que nada era mais forte e vibrante na atriz do que a sua própria capacidade de se angustiar. E isso reverberou tanto em mim.
Havia uma melancolia nela que me atraía, que me fazia entender seus altos e baixos tão bem, como se fosse a minha persona retratada ali. A figura de Marilyn me fascinava por isso. Cada retrato que pintavam sobre ela, lembrava a mim.
Era como se, por trás do sorriso e dos flashes, houvesse um grito silencioso. Que quem já sentiu o peito apertar sem motivo algum é capaz de reconhecer. Marilyn nunca pareceu interpretar a dor, ela a conhecia.
Eu era uma pessoa feliz. Sempre fui, mas também sempre tive uma nuvem depressiva que me acompanhava. Até mesmo antes das tragédias da minha vida se anunciarem. A tristeza e, mais, a dor, sempre foram muito fáceis de acessar. Sinto que nasci pré-disposta a sofrer. É um botão muito sensível, que ao menor toque já liga.
Tem dias que o sol entra pelas frestas, mas há outros em que o tamanho do quarto quase não nos deixa respirar.
Não é um vício ao sofrimento, sabe? É uma facilidade de acessar esse sentimento. E de senti-lo intensamente.
E parece que a Marilyn me entenderia. Ela saberia do que eu estou falando, de como nada fica muito tranquilo em mentes e corações como os nossos. Que nos momentos mais felizes podemos facilmente achar algo de errado, de dolorido. Sempre falta, sempre sobra. Se eu quiser acessar, tá aqui.
É como se o meu corpo inteiro tivesse memórias da tristeza, como se bastasse uma lembrança leve, um cheiro, uma frase, o gatilho que fosse, para acionar o alarme. Marilyn escrevia em suas cartas que às vezes a dor vinha “sem hora marcada”, e eu entendo isso. É quase uma convocação silenciosa para revisitar o que já tentamos enterrar.
É um verdadeiro desafio desfrutar da tranquilidade. Somos agentes do caos. Somos o próprio caos.
Sabemos afundar melhor do que qualquer âncora, ainda que vejamos a melhor parte do mundo e saibamos, também, viver intensamente a alegria. É a nossa natureza esse quê de angústia, de melancolia.
Vivemos em extremos: o riso vem rasgado e o pranto vem inteiro. Quando a maré está parada, somos nós que a agitamos, como se o vazio da estabilidade nos causasse mais medo do que o próprio abismo.
Para a atriz tudo isso servia muito bem, com um ar de mistério e sensualidade. Até que alguém chegasse muito perto, ficasse tempo demais. A melancolia serve para fotografias, poesias e a superfície. Mergulhar em algo assim, como nós duas, e se perder na dor, é fatal.
E foi exatamente o que o mundo fez com ela, admirou sua superfície, mas ignorou o que tinha por baixo.
Colocam a culpa nas tragédias, mas a verdade é que nascemos com essa especialidade. As tragédias e os abusos só intensificaram o tempo de permanecermos na zona de perigo.
Talvez Marilyn tivesse chance se não fossem tantos abusos. Talvez ela mergulhasse, mas não permanecesse tempo o suficiente para se afogar na sua própria angústia, se não fossem os traumas.
Talvez ela não seria difícil de compreender e de amar se não fossem tantas violações. Mas, nunca saberei.
Imagino algumas conversas que poderíamos trocar.
Imagino que, como ela, eu também não seria tão difícil de amar na profundidade se não fossem meus traumas. A dor cria camadas, e quem tenta chegar perto precisa aprender a navegar por entre elas.
Antes das minhas tragédias pessoais eu era bem mais “normal”, apesar de sempre criar motivos para a tristeza me visitar. Imagino que ela me daria conselhos para que meu fim não fosse de encontro com o dela. De que eu teria a chance de sentir diferente. De encontrar uma chavinha que poderia virar meu comportamento diante da clareza de minha personalidade. De que eu poderia trilhar seu caminho transformando em arte o que eu conseguisse, mas também de que eu sairia fora dos seus trilhos e no fim escutaria que nada foi mais forte e vibrante em mim do que a minha própria capacidade de sorrir.