A verdade sobre começar tarde: a maioria da população precisa começar tardiamente.
No meu caso falo sobre surfar. Queria muito ter começado lá na infância o contato com esse esporte. Eu cresci indo para a praia em todas as férias escolares. Junho e Julho, assim como Dezembro e Janeiro, sempre foram meses que minha família se deslocava para o litoral sul de São Paulo.
Já peguei inúmeros “jacarés” em pranchas brancas de isopor e nunca tive medo do mar – apenas muito respeito. Porém nunca visualizei a possibilidade de surfar, ficar em pé numa prancha. Isso era coisa pra quem “leva jeito” e eu, claramente não levava.
Passei a vida toda sem pensar em praticar, pois na minha cabeça eu tinha que nascer com o dom ou então nem tentar. Até que após os trinta anos, como tantos outros momentos da minha vida, me veio essa vontade de supetão. E como não tenho mais a visão jovial de antes procurei nas redes sociais outras mulheres que começaram tarde.
E não é que encontrei várias delas?
Porque a verdade é que nem todo mundo teve acesso ao surf (ou muitas outras atividades) quando pequenas, poucas pessoas foram incentivadas a tentar ou quase ninguém se viu com o “dom” para aquilo quando jovem. Seja pelo motivo que for, a grande parte da população não começou cedo.
Precisamos ficar mais velhos, ganhar mais dinheiro, nos despir de medos e amarras sociais para que finalmente possamos bancar nossas vontades.
Vontades essas que podíamos nem saber que tínhamos. Sonhos que nunca puderam ser sonhados, entende?
Até que finalmente eles podem acontecer. E aí vêm a dificuldade de começar “tarde”. Será que eu consigo? Será que é para mim? Será que eu não vou passar vergonha?
As inseguranças implodem no nosso cérebro. Talvez devêssemos ficar quietinhos e fazer apenas aquilo que nos coube até aqui?
Mas, poxa! Que chato isso, não? E quanto mais velha vou ficando, mais vou tendo noção de que o meu tempo é o agora. Se foi agora que eu pude enxergar esse desejo, se foi hoje que eu descobri que isso existia, se agora estou financeiramente apta para acessar o que eu quero, é hoje que eu começo.
Se eu só pude começar algo que pulsa meu coração nesse tempo, é nesse momento que eu vou começar então. Parafraseando Rita Lee: enquanto estou viva e cheia de graça, eu vou me fazer muito feliz.
E quando eu foquei meu tempo procurando sobre aquilo que brilhava meus olhos no momento, que era o surf, o algoritmo (que vez ou outra me irrita) me entregou postagens de pessoas parecidas comigo. Que começaram a surfar aos 30, 40, 50. Mulheres com um corpo parecido com o meu. E cada vez que eu entrava em contato com essas pessoas, eu percebia o quanto eu poderia estar ali, que aquilo me cabia. Até que eu finalmente fui. E foi uma das coisas mais generosas que eu pude fazer comigo.
Entender e, principalmente, ter contato com pessoas que começaram quando puderam me fez enxergar o quanto somos maioria nesse mundo. E tem tribos para nos abraçar, para nos incentivar.
Talvez não sejamos a maioria praticando aquilo, porque grande parte que não começou “na idade certa”, acredita que o seu tempo passou e prefere nem tentar na idade que têm hoje.
Uma pena, porque o tempo passa, mas se você está vivo, sua vida não passou. Sua vida está acontecendo e enquanto ela ocorre há possibilidades. Você pode estudar, você pode participar de uma peça de teatro, você pode surfar, você pode aprender a nadar, você pode aprender a tocar um instrumento, você pode viajar, você pode aprender a desenhar, você pode aprender aquela receita, você pode.
Para e por você. Por mais ninguém. Apenas porque você deseja.
Sua idade, seu corpo e sua mente estão aqui para te ajudar a realizar, e você os conduzirá até onde eles conseguem no seu momento atual. E acredite em uma pessoa que nunca teve um equilíbrio nem perto de algo regular: você consegue ir muito além do que acha. E se precisarmos adaptar algo, tá tudo bem. Quanto mais aniversários eu faço, mais percebo que mesmo não podendo ser uma atleta do surf, eu quero apenas me realizar e ter a sensação de que eu pude sim, mesmo depois dos 30 e com contato zero com o esporte até então, ficar em pé em uma prancha. E depois de entender que eu pude fazer isso, entender que eu posso muito mais.
Quem sabe o que virá depois dos 40?