Eu sempre tive mania de grandiosidade, queria sonhar os sonhos mais altos. Meu pai me colocava no chão, não para que eu ancorasse, apenas para que eu entendesse o tamanho das minhas pernas e não desse um passo maior do que poderia aguentar no momento. Ele me conhecia, sabia das minhas limitações e do meu potencial, então sempre que eu chegava com mais uma ideia pra colocar em prática, ele sentava diante da mesinha na varanda de nossa casa em Santa Isabel e passava a madrugada conversando comigo, contando um pouco suas vivências. E não era fácil para eu sentar ali e ouvir algumas verdades que sempre eram ditas de maneira suave e muitas vezes em entrelinhas.
Meu pai era muito sutil comigo. Eu nunca gostei de usar a voz da razão, apenas deixava meus sentimentos e desejos me guiarem e era bom ter ele por perto, que me conhecia muito bem e sabia que eu precisava de um pouco de realidade no meu mundo da lua.
E por me conhecer bem, ele sabia que eu ficaria enfurecida se ele simplesmente jogasse na minha cara que eu iria sofrer muito por ser mimada, egoísta e preguiçosa, daí ele contava histórias dele ou de conhecidos que cabiam exatamente nas minhas ideias mirabolantes para que impregnasse no meu íntimo e eu refletisse mais tarde, sozinha. Ele sabia como cada palavra dita iria me pegar e ele me ajudou muito a cair na real.
Um ano antes dele falecer eu cheguei e falei que iria mochilar, que não tinha data para voltar e iria até onde eu conseguisse, premeditando que ele ia cortar minhas asinhas com alguma historia. Poderia ser uma viagem de um ano ou dois dias, mas eu precisava sair. E mais uma vez ele me enxergou como eu nunca conseguiria e me disse que achava ótimo meu plano, me ajudando a planejar roteiro, me levando na decathlon, se cadastrando em programas de milhagens e me enviando cada notícia que via sobre viajar sozinha.
Mas uma das primeiras coisas que ele me disse e que me fez enxergar que eu gostaria de partir sendo uma pessoa que eu ainda não era e que não estava pronta pra mergulhar nessa aventura foi “Filha, não adianta querer conhecer o mundo e ignorar sua própria cidade, você tem que começar aqui e depois pensar em lugares desconhecidos, porque você verá muita coisa e muitas pessoas que vai achar lindas, sendo que encontra com muitas coisas e pessoas aqui e não dá a mínima” – foi o balde de água fria que eu precisava! Coloquei na minha cabeça que nesse um ano eu iria tentar me encontrar no lugar onde eu morava e que em mai/16 eu partiria.
Acontece que ele faleceu em abr/16 e por vontade própria eu deixei meus planos de lado e não me doeu tanto quanto imaginava, justamente porque entendi o que ele disse aquela noite na varanda de casa e sabia que o meu mochilão havia começado com a morte dele.
Seria uma jornada nunca prevista, sem roteiro, visitando muitos lugares desconhecidos, passando por emoções escondidas dentro de mim e por obstáculos que me fariam desistir da vida, mas que não importava porque meu pai me ensinou que não é um monumento turístico que faz o viajante mochileiro, mas sim todas suas superações, perrengues e experiências que tem para contar.
Toda história que eu lia de mochileiros o que mais me encantava nunca era a foto deles no Louvre ou em Macchu Picchu mas o que eles passaram pra chegar até esses locais, os motivos que os levaram até lá, se foi escolha própria ou as curvas da vida e quem eles encontraram no caminho.
Graças ao meu Didão eu encontrei a paz que eu precisava e que engoliu o meu desespero e minha urgência de ter que aumentar a lista de lugares que eu vi, transformando em experiências e pessoas que conheci, até mesmo aqui na cidade onde eu moro.
Que lindo, Ju! Que visão bonita do verdadeiro significado de conhecer lugares e pessoas!
Obrigada Mari!
Poucos tem essa sabedoria de entender o que não é dito, o que fica nas entrelinhas.
Amo você.
Você me traz um sossego para a minha alma. Mesmo qdo penso em chorar com suas histórias, sinto muita paz.
Nossa, Fatima, muito obrigada pelo teu comentário. Me alegrou demais! Um beijo.